segunda-feira, 4 de abril de 2011

Primeiro relato


Não sinto fome como as pessoas normais, uma vez ao dia me é suficiente. Vou aos lixões ou simplesmente peço as pessoas um pouco de comida. As vezes elas me dão, as vezes chamam a policia, têm medo de mim, acredito que muitas vezes meus olhos passam pra elas a dor da injustiça e por isto elas temem. Não as quero mal, mas também não as quero bem. Meu coração aprendeu a não sentir e minha cabeça aprendeu a perceber.
Vou me reunir com meus amigos, são drogados a grande maioria, seus sonhos é se drogarem, mais e mais, é viajarem por mundos que já conheço dentro de mim. Um deles está muito ferido na perna. Uma briga com um traficante o deixou desequilibrado, foi levado ao hospital, mas sabia que não podia falar o que ocorreu, disse que estava brincando com o irmão e caiu. Calou a dor que sentiu quando levou uma surra com a chibata do homem e a dor maior quando sentiu a carne rasgada por tentar fugir, foi agarrado pela perna, queria não ter perna naquele instante, queria ser como a lagartixa que deixa o rabo quando está em perigo. Mas a perna não saiu. Quando a faca entrou, a dor foi sua salvação. Sentiu uma força que nunca houvera se dado conta. Puxou com violência sua perna e gritou tão forte que acordou a casinha da policia e os policiais que ali estavam. Um deles o conhecia tanto! O traficante o soltou e correu. E ele foi levado ao hospital. Lá se comoveu com a quantidade de gente nos corredores, se comoveu com a frieza dos doutores, se comoveu com o cansaço dos e das enfermeiras. Foi tratado com cuidado “uma criança, meu Deus” ouvia aquelas pessoas de branco a falar. Sim, era uma criança, mas já sabia da vida o que poucos adultos sabem. Já não precisava mais viver, tivera sua cota esgotada, estava com a data de validade vencida. Queria ir pra o mundo onde as drogas lhe levavam, lá não tinha fome, miséria, injustiça, só força e coragem. Lá também podia encontrar com seus irmãos que já haviam sido levados.
Essa era uma das histórias de meus amigos e eu, Emanuel a tudo presenciava. Iria me encontrar com eles hoje, quase agora.
Amanhã falarei mais, a mulher que recebe minha fala está cansada.

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